domingo, 14 de setembro de 2008

Cheiros que são lembranças

Ah, os cheiros que guardo em mim!... Mais que perfumes: cheiros. Vivos como a chuva que molha meu gramado e desperta a lembrança da estrada que nos levava à praia, passando no meio de um corredor de árvores (que eu, na minha inocência, acreditava ser uma floresta gigantesca...). Cheiro de tacacá no fim da tarde, que adormece meus lábios antes mesmo deles provarem o jambu fresquinho... Cheiro de bolinho de goiabada que minha mãe fazia nas tardes de domingo pra encher nossos olhos, narizes e barrigas... Ah, o cheiro do abraço do meu pai, já tão distante e nunca antes tão doce como agora que cresci - cheiro de loção pós-barba com creme de cabelo (que ele usava para “domar” os fios cuidadosamente repartidos ao lado). Cheiro de tangerina recém-descascada, que escorria traçando caminhos pelos braços infantis na pressa de comer sem repartir... que eu sempre fui muito gulosa, e pouco dada a dividir meu lanche com crianças que só gostavam de mim quando eu tinha algo que podia ser partilhado. Cheiro de roupa lavada, que pegou sol na medida certa e solta aquele delicioso cheiro de vento fresco no varal. Cheiro de banana madura, doce mas não passada, ao assar no forno com canela. Cheiro de festa de aniversário, uma mistura de cores e sabores que tive a sorte de viver em minha infância. Cheiro de criança pequena, mas aquela criança que acabou de tomar banho com umas gotinhas de alfazema na água, e não aquela que a mãe não colocou pra arrotar devidamente e batizou com leite azedo as curvas do pescocinho gordo... Cheiro de café torrando, como aquele que eu sentia às cinco da tarde da janela do meu quarto, quando eu chegava em casa distraída demais pra aproveitar o perfume que entrava em suaves ondas. Cheiro de cozinha limpa, uma mistura de limão e carinho que só quem gosta do que faz deixa por onde passa. Tantos cheiros que guardo em mim, mas que não substituem o cheiro do amor que minha mãe colocava em gotas atrás de nossas orelhas quando íamos sair – cheiro que nunca sai da minha lembrança, e que me vem a cada abraço que hoje dou em minhas filhas.

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