quarta-feira, 29 de abril de 2009

Claustro












Do que não revelas
eu sinto
tua vontade
de arrancar de mim
as asas
cortar meus pés
enclausurar meus devaneios
e porque não podes
ardes na febre eterna
e absoluta
do ciúme que não confessas.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

É segredo

Eu odeio essa mulher todo dia. As mudanças que ela sofreu, que vão bem mais além das finas rugas e de alguns cabelos brancos espalhados na longa cabeleira. Odeio o modo como ela se expõe, suas saias nunca abaixo dos joelhos, suas pernas bem torneadas mostrando aos outros o que eu queria só pra mim. Odeio a maneira gentil com que ela trata quem sequer conhece, o modo descuidado com que se porta. Odeio quando não me conta o que já sei, como se eu nunca fosse perceber que algumas palavras tem duplo significado e que nem sempre o mais adequado é o que ela quis usar. Odeio seus trejeitos de menina no corpo de mulher, seu sorriso condescendente, seu modo quase esnobe de dizer que sente muito, seu olhar de desdém ante minhas indagações.
Não sei quando comecei a odiá-la, só sei que em muitos dias é difícil olhá-la nos olhos, e eu viro de costas pra ela antes de dormir, pra garantir uma noite tranqüila. Mas não entendo, a mágoa que dobro e guardo noite após noite parece dissipada pela manhã, quando ela se move com delicadeza para não me despertar e eu sinto as costas ainda mornas dos beijos que ela displicentemente depositou antes de sair. Aí esse corpo cansado de retrair-se fica de súbito relaxado, e o perfume suave no travesseiro dela me desperta lentamente só pra me mostrar que ela já não está. E quando todos os fantasmas da ausência deitam ao meu lado a imagem dela perde o brilho, fazendo a dor da falta que ela me faz pulsar forte em cada canto do meu ser em agonia. O amor que eu tento jurar mas não sai da minha boca transforma-se na raiva de não saber como contê-la, e todo dia eu a odeio. É por isso.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Solidão


O amor que não aceitei
pesa nos meus ombros cansados
e desbota meus dias sem brilho nem cor.

O amor que eu não quis
arrogante
zomba de mim da janela entreaberta
enquanto eu recolho as palavras mortas
que enfeitavam as páginas amarrotadas
das declarações que um dia ela escreveu pra mim

terça-feira, 21 de abril de 2009

Das palavras de Cecília...

As poesias de Cecília Meireles sempre me acompanham, e vez por outra parecem ter sido escritas pra me descrever. Hoje, então, parece que elas gritam por mim.













Traze-me
(Cecília Meireles)

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!

sábado, 18 de abril de 2009

Alamedas


Desse chão que eu piso
nasce um pé de novidade.

Parede pintada
carro lavado
roupa nova.

Leve como a brisa fresca
rodopio em minha saia rodada
carregando pelo braço
a última dúvida:

ainda falta muito?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quase magia...













(Para Lídia Luz)


Não são só as tuas histórias
que contas nas tuas cores
aromas, versos de lã
São as vidas entrelaçadas
que vicejam em teu olhar
e transpiram em pequenos pontos
numa alegria que seduz.
Pequenos pontos de vida
graça, beleza e luz.


Lídia é a artista que dá vida e graça a esses lindos trabalhos. Cada peça é feita com o cuidado que só uma artesã apaixonada pela beleza das cores consegue transmitir.

Veja mais em http://lidialuz.blogspot.com/

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Adeus











Respirou fundo
deu um olhar gelado
virou as costas
não olhou pra trás.
Cruzou a soleira da porta
deixando um rastro de perfume
e um buraco no meu peito.

Nunca mais
nunca mais.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Inquietação











Minha saudade tropeçou na tua imagem
e as gotas da tarde cinza de abril
acompanharam meu desassossego.
Quando penso que me convenci
a ser o que se espera
bate um vento
cai uma folha
toca uma música
e tudo o que estava arrumado
subitamente jorra de dentro de mim.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Travessia

O vento nem soprava mais como antes e eu continuava lá, esperando que algo acontecesse. A brisa fraca que chegava até mim não movia mais as minhas velas, e eu decidi voltar. Desembarcar em terra firme depois de meses em alto-mar foi estranho. Mas eu cheguei aqui, neste cais onde amarro meus sonhos, e me deixei abraçar pela grossa corda que segurava minha vontade de voltar.
Mais que estar longe da terra firme, sinto falta do arrepio que percorria minha espinha quando o mar estava revolto, as estrelas testemunhando a solidão de estar à deriva no meio do nada... O descanso que dizem que eu preciso é ilusório, minhas mãos não sabem ficar paradas, minhas pernas balançam querendo ir, mas dizem que devo ficar, e eu ainda permaneço neste porto agora deserto.
Caminho sem pressa alguma em direção ao abrigo que lembro vagamente onde fica, mas as chaves não estão comigo. Deixo-me cair pesadamente no gramado bem cortado da casa que um dia sonhei minha, mas que nunca me pertenceu. E o cheiro de maresia que trago em minhas vestes gastas me entorpece. Alguém caminha em minha direção, e eu me permito sorrir.
O abrigo dos braços que me querem próxima aquecem este corpo gelado de medo. Medo de nunca mais poder embarcar, de não saber mais como navegar, de não sentir os respingos da água salgada nas noites frescas. Mas eu me deixo conduzir para dentro, mesmo desacostumada a ter tantas paredes ao meu redor. Estar de volta também é bom. O cheiro de café vindo da cozinha me remete a um tempo quando eu não tinha outra vida senão aquela. E eu me deixo acalentar, cheia de saudades do que eu nem sei mais.
Agora, sentada em frente a esta janela de onde tantas vezes avistei o horizonte com olhos sedentos de conhecer o outro lado, eu mesma não me entendo... Parece que quanto mais eu quero voltar, menos eu quero sair daqui.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Desesperos secretos










A voz que vem de mim
quer que eu pare.
Finjo que não escuto
busco justificativas
pretextos tolos
para continuar.
Por mais que eu tente
não querer
o controle me foge.
Entra em mim
este alimento
que não me nutre
mas me entorpece.
E eu esqueço tudo
o que tinha prometido.

Eu me passo pra trás o tempo todo...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Valsinha









Aquele que declinou da dança
suspira
Não havia ninguém olhando
mas ele temia errar
e ela buscou outros pares.

A magia acaba à meia-noite
mas nem sempre...
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