sábado, 22 de novembro de 2008

Alquimia

Da varanda de casa eu sentia o cheiro. Temperos diferentes, ervas, caldos... O chiado das panelas sobre o fogão avisava: mamãe estava na cozinha. Encantada com a possibilidade de ajudar e assim entrar no mundo dos adultos, mesmo que com a permissão exclusiva para fazer as tarefas menores (nada de facas, objetos pontiagudos, latas, vidros...), eu me postava à porta, observando o movimento das colheres, assadeiras, travessas... Pra mim, aquele mundo morno e levemente açucarado era quase mágico. Como se o cheiro que saía das panelas e penetrava em minhas pequenas narinas fosse capaz de operar milagres. Sempre havia algo na cozinha para curar o que eu sentia: uma sopinha morna para os dias de febre ou uma gemada batida vigorosamente pelas mãos ágeis de mamãe para quando o corpo estivesse fraco (e quantas vezes fingi uma fraqueza e prostração imensas só pra ganhar aquela gemada com algumas preciosas gotas de vinho...). A cozinha pra mim era um território de descobertas. Imaginava aquelas colheres de pau, panelas, armários, potes, vasilhas ganhando vida para compor uma melodia absolutamente harmônica... E fantasiava com uma cozinha só minha, onde vidros, facas e tesouras fossem permitidos, onde o cheiro que saía das panelas não tivesse nada a ver com dobradinha ou cozido, e as crianças comessem junto com os adultos. (pois é, sou do tempo em que as crianças comiam primeiro...)
E enquanto minha mãe cortava e temperava nossas refeições eu, da porta da cozinha, sentada em meio a panelinhas de plástico e sonho, vivia a expectativa infantil e preciosa de crescer depressa e aprender também aquela alquimia, que transformava alimentos em pequenas porções de amor.

5 comentários:

Iêda disse...

Lindo!!

Eu também adorava as gemadas. Bom tempo a infância!
Gostava também de ajudar a fazer bolo, só para lamber a vasilha depois. (especialmente se fosse chocolate) ;-)

um ótimo fim de semana para você!

Mineira disse...

Viagei no tempo... coisa boa!

Também ganhava gemadas preparadas por mamãe... hoje, fiquei chata, nojenta e não me desse nem a idéia da mistura de ovo, leite e acúcar. Penso e torço o nariz... fiquei besta, acho eu... hahahaaa...

Dobradinha também não desce...

See you...

...

Bruno Silva disse...

Vixe, gosteei do blog, mesmo! fui bem tratado, tudo bem limpinho, sem melancolia e desgosto pela vida peculiar a alguns blogs . beijo. me fez bem , vou toma-lo mais vezes ..
meu Blog ae :
www.bsproducao.blogspot.com

Anônimo disse...

Lilian, adoro essas suas crônicas. Eu experimentava sentmentos parecidos.

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

É o tipo de texto que eu gosto. Uma crônica sensível... muito bom. gemada agora, acho que não vai ter mais, com esse medo da salmonela...

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