terça-feira, 7 de abril de 2009

Travessia

O vento nem soprava mais como antes e eu continuava lá, esperando que algo acontecesse. A brisa fraca que chegava até mim não movia mais as minhas velas, e eu decidi voltar. Desembarcar em terra firme depois de meses em alto-mar foi estranho. Mas eu cheguei aqui, neste cais onde amarro meus sonhos, e me deixei abraçar pela grossa corda que segurava minha vontade de voltar.
Mais que estar longe da terra firme, sinto falta do arrepio que percorria minha espinha quando o mar estava revolto, as estrelas testemunhando a solidão de estar à deriva no meio do nada... O descanso que dizem que eu preciso é ilusório, minhas mãos não sabem ficar paradas, minhas pernas balançam querendo ir, mas dizem que devo ficar, e eu ainda permaneço neste porto agora deserto.
Caminho sem pressa alguma em direção ao abrigo que lembro vagamente onde fica, mas as chaves não estão comigo. Deixo-me cair pesadamente no gramado bem cortado da casa que um dia sonhei minha, mas que nunca me pertenceu. E o cheiro de maresia que trago em minhas vestes gastas me entorpece. Alguém caminha em minha direção, e eu me permito sorrir.
O abrigo dos braços que me querem próxima aquecem este corpo gelado de medo. Medo de nunca mais poder embarcar, de não saber mais como navegar, de não sentir os respingos da água salgada nas noites frescas. Mas eu me deixo conduzir para dentro, mesmo desacostumada a ter tantas paredes ao meu redor. Estar de volta também é bom. O cheiro de café vindo da cozinha me remete a um tempo quando eu não tinha outra vida senão aquela. E eu me deixo acalentar, cheia de saudades do que eu nem sei mais.
Agora, sentada em frente a esta janela de onde tantas vezes avistei o horizonte com olhos sedentos de conhecer o outro lado, eu mesma não me entendo... Parece que quanto mais eu quero voltar, menos eu quero sair daqui.
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